terça-feira, 28 de maio de 2013

menos que um: victor hugo don juan

Tirado da epígrafe em Don Juan, de Gonzalo Torrente Ballester, segue um pequeno Victor Hugo em português, só por diversão.
Victor Hugo por Auguste Rodin

Bendita seja a Providência
que concede a cada um o seu brinquedo,
boneca à criança,
criança à mulher,
mulher ao homem,
o homem ao capeta!

Bénie soit la Providence, qui a donné
à chacun son joujou, la poupée à
l’enfant, l’enfant à la femme, la femme
à l’homme, l’homme au diable!

VICTOR HUGO, Journal, 1832

domingo, 26 de maio de 2013

menos que um: gonzalo torrente ballester, tão grande quanto cervantes

Através de uma troca lícita mas não tão honesta assim, negociando livros a centavos no mercado de Triana, tirei dois pequenos volumes das mãos de um cigano sevillano, deixando no lugar algumas poucas moedas. Um deles, que logo me encantou, foi escrito por Gonzalo Torrente Ballester, e se chama El cuento de Sirena. É uma metaficção tratando da escrita de uma ficção e que, ao fim, não se sabe o quanto foi fictícia: mas funcionou, e era isso que ele queria.

A linguagem de Ballester é livre, desimpedida e fluida, talvez por causa de sua origem galega. O próprio conto da sereia é baseado em umas histórias vindas já de Portugal, do velho poeta rei Dom Dinis. Seja como for, aqui traduzo um pequeníssimo diálogo de outro livro seu, Crónica del Rey pasmado, também fantástico e divertidíssimo de ler.

Leveza é um traço que, de mãos dadas à construção e desenvolvimento de personagens, o autor domina com excelência. Foi da Real Academia Española, vencedor de vários prêmios e, segundo José Saramago - num prefácio da tradução portuguesa de outro livro (La saga/fuga de J.B.), que comprei ontem e não comecei a ler - Gonzalo Torrente Ballester é o escritor que ocupou o espaço, antes vago, ao lado de Cervantes.

"O corpo de Marfisa estava meio descoberto: viam-se seus cabelos, costas, a cintura finíssima e o início de suas nádegas. O Rei a olhava com surpresa e estupefação.

- Já viste algo mais belo?

- Há muitas coisas belas no mundo.

- Mais que o corpo de uma mulher?

- Mais que o de Marfisa, dificilmente.

- Nunca tinha visto, até esta noite, uma mulher nua.

- E que achastes?

- O paraíso tem de ser coisa semelhante.

O conde torceu o nariz.

- Não creio que os senhores inquisidores aprovariam tal ideia.

- E o que saberiam os senhores inquisidores de mulheres nuas?"



"El cuerpo de Marfisa había quedado medio al descubierto: mostraba la cabellera, la espalda, la delgada cintura, el arranque de las nalgas. El Rey la miró: con sorpresa, con estupefacción.

- ¿Has visto algo más bello?

- Hay muchas cosas bellas en el mundo.

- ¿Más que el cuerpo de una mujer?

- Si es el de Marfisa, difícilmente.

- Nunca había visto hasta esta noche una mujer desnuda.

- ¿Y qué?

- El paraíso tiene que ser una cosa semejante.

El conde torció el morro.

- No creo que los señores inquisidores aprobasen esa idea.

- ¿Qué sabrán los señores inquisidores de mujeres desnudas?"

(Crónica del Rey pasmado - Gonzalo Torrente Ballester.
Barcelona: Espasa Libros, 2011, p. 13)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

menos que um: canção de maeterlinck

Descobri recentemente que a poesia simbolista belga, entre a racionalidade francesa e o romantismo alemão,  deu origem a uma tradição bastante diferente dos outros dois países. Descobrindo Maurice Maeterlinck, encontrei uma canção que aqui traduzo. Canção é um gênero lírico do qual gosto bastante, sobretudo pela - óbvia - musicalidade que o compõe (há mesmo uma referência sobre esse poema ter sido musicado e/ou arranjado para piano por Jean Absil, mas não encontrei o áudio. Deixo aqui uns extratos de composições dele, de todo modo).

Maeterlinck recebeu o Nobel de literatura em 1911, é conhecido pelo misticismo de influências flamengas e pela importância que tem no simbolismo francófono. Aqui ele canta. Ouçamos.

Procurei trinta anos, irmãs,
onde foi que se escondeu!
Procurei trinta anos, irmãs,
sem chegar mais perto del'...

Procurei trinta anos, irmãs,
e meus pés cansaram,
Ele estava em todo canto, irmãs,
inexistente...

Chegada a triste hora, irmãs,
retiro as sandálias,
A noite também morre, irmãs,
e minha alma falha...

Vocês tem dezesseis, irmãs,
partam para longe,
Peguem meu bordão, irmãs,
vejam onde se esconde...

J’ai cherché trente ans, mes soeurs,
Où s’est-il caché!
J’ai marché trente ans, mes soeurs,
Sans m’en approcher. . .

J’ai marché trente ans, mes soeurs,
Et mes pieds sont las,
Il était partout, mes soeurs,
Et n’existe pas. . .

L’heure est triste enfin, mes soeurs,
Ôtez mes sandales,
Le soir meurt aussi, mes soeurs,
Et mon âme a mal. . .

Vous avez seize ans, mes soeurs,
Allez loin d’ici,
Prenez mon bourdon, mes soeurs,
Et cherchez aussi. . .

sexta-feira, 17 de maio de 2013

menos que um: excerto de cummings

de um poema que ainda traduzo todo. Fiquem com um pouco:


(Enquanto tu e eu tivermos bocas e vozes para
beijar e cantar com elas
que importa que um filhodaputa limitado
tenha inventado um medidor de Primavera?


(While you and i have lips and voices which
are for kissing and to sing with
who cares if some oneeyed son of a bitch
invents an instrument to measure Spring with?

menos que um: e.e. cummings como arquitetura ascensional


sou uma igrejinha(não catedral imensa)
distante da sórdida e deslumbrante pressa das cidades
-não me perturba que os dias pequenos apequenem mais,
eu não lamento quando sol e chuva são abril

minha é a vida do que planta e do que colhe;
meus os pregadores da terra em seu esforço torto
(achando e perdendo e rindo e chorando)crianças
de quem alegria e tristeza são meu encanto e lamento

à minha volta brota o milagre do incessante
nascer e glória morte ressurreição:
sobre meu sono voam símbolos flamejantes
de esperança,e me perfeito com a paciência das montanhas

sou uma igrejinha(longe do agito
do mundo, seu êxtase e angústia)em paz com a natureza
-não me perturba que noites longas se alonguem mais,
eu não lamento quando silêncio vira em cantar

inverno vai primavera,ascendo o pequeno cruzeiro
aO Compassivo pra quem só o instante é eterno :
altivo na verdade imortal de Sua presença
(humildemente acolhendo Sua luz e com orgulho a escuridão)


i am a little church(no great cathedral)
far from the splendor and squalor of hurrying cities
-i do not worry if briefer days grow briefest,
i am not sorry when sun and rain make april

my life is the life of the reaper and the sower;
my prayers are prayers of earth's own clumsily striving
(finding and losing and laughing and crying)children
whose any sadness or joy is my grief or my gladness

around me surges a miracle of unceasing
birth and glory and death and resurrection:
over my sleeping self float flaming symbols
of hope,and i wake to a perfect patience of mountains

i am a little church(far from the frantic
world with its rapture and anguish)at peace with nature
-i do not worry if longer nights grow longest;
i am not sorry when silence becomes singing

winter by spring,i lift my diminutive spire to
merciful Him Whose only now is forever:
standing erect in the deathless truth of His presence
(welcoming humbly His light and proudly His darkness)

e.e.cummings

terça-feira, 14 de maio de 2013

menos que um: música country

Um pouco de histórias. Quatro grandes nomes da música country americana se reuniram em 1985 e formaram um, como foi chamado, supergrupo. Johnny Cash, Willie Nelson, Waylon Jennings e Kris Kristofferson se transformaram por dez anos nos Highwaymen, os homens da estrada.

Highwayman designa um ladrão de estrada, tendo origem na Inglaterra do século XVII - o termo, não o ladrão, que provavelmente existe desde que existem estradas. A música que dá nome ao grupo - e que traduzi aqui - não foi composta por nenhum dos quatro, mas por Jimmy Webb, na década de 70. A canção esperaria alguns anos até virar um hino country fora-da-lei, uma das músicas que mais gosto de todas as músicas que conheço (e, trivia, eu conheço muitas músicas).

O processo de tradução foi parecido com o que sempre faço ao traduzir poesia - atentei para o ritmo das palavras, para a disposição sonora do texto. Mas aqui, por se tratar de uma música mesmo, sobretudo uma que me é tão familiar, tive o critério máximo de fazer com que a tradução coubesse na melodia. Como diriam, acho que "cabeu".

Antes dos textos, o clip da música dos Highwaymen. A tradução do título deve muito a outra música, que também gosto muito e que vocês podem ouvir neste post. Espero que gostem.



The Highwaymen - Highwayman (stereo) por d-limonen

- Bandoleiro

Fui bandoleiro.
Por longa estrada cavalguei
Com bala e espada eu duelei
Muita donzela foi mulher em minha cama
Muito soldado viu seu sangue em minha lâmina
Os desgraçados me enforcaram em vinte e cinco
Mas eu ainda vivo.

Fui marinheiro.
Nasci no embalo da maré
No ser do mar eu tive fé
Levei a escuna desde o Chile ao México
Soltei a vela principal que se enfunou
E quando o mastro se partiu me viram morto
Mas não zarpei do porto.

Ergui represa
detendo um rio profundo e largo
onde aço e água se chocaram.
Num tal de Boulder, no deserto Colorado
Caí de muito alto, sobre o chão molhado
Me enterraram onde não se pode ouvir
Mas ainda estou aqui
(Sempre estarei aqui. E aqui. E aqui)

Guio uma nave
pelo espaço sideral
E quando eu chegar ao final
Espero achar um bom lugar pra ter sossego
Ou, de repente, volto a ser um bandoleiro
Talvez me torne uma gota a chover, talvez
Mas sempre existirei
Voltarei outra vez, outra vez e outra vez...

Highwayman

I was a highwayman. 
Along the coach roads I did ride
With sword and pistol by my side
Many a young maid lost her baubles to my trade
Many a soldier shed his lifeblood on my blade
The bastards hung me in the spring of twenty-five
But I am still alive.

I was a sailor. 
I was born upon the tide
And with the sea I did abide.
I sailed a schooner round the Horn to Mexico
I went aloft and furled the mainsail in a blow
And when the yards broke off they said that I got killed
But I am living still.

I was a dam builder 
across the river deep and wide
Where steel and water did collide
A place called Boulder on the wild Colorado
I slipped and fell into the wet concrete below
They buried me in that great tomb that knows no sound
But I am still around... I'll always be around..and around and around and 
around and around

I fly a starship 
across the Universe divide
And when I reach the other side
I'll find a place to rest my spirit if I can
Perhaps I may become a highwayman again
Or I may simply be a single drop of rain
But I will remain
And I'll be back again, and again and again and again and again...



Ps.: Inicialmente, traduzi "the Horn to Mexico" como "do rio ao México", supondo que a escuna tivesse navegado pelo rio Horn, que fica no Mississippi. Entretanto - e isso já está mudado, embora o Horn continue não aparecendo - acredito que a referência é ao Cabo Horn, no Chile, ponto extremo para a navegação e com um histórico bastante interessante que remonta aos tempos das "Grandes Descobertas". Assim, nossa alma migratória esteve ao sul da Terra do Fogo, na segunda estrofe da canção.

A encarnação que constrói uma represa, em algum lugar do Colorado, trabalhou na década de 1930 na construção da represa Hoover - a maior dos Estados Unidos e uma que levou a vida de centenas de operários, em seu processo. 

domingo, 12 de maio de 2013

menos que um: barry gifford, sério amor

Sem delongas: Barry Gifford em tradução minha, sugerida e lapidada por Marcia Heloisa, amiga e tradutora - mais e melhor que eu.

Sério amor

Tua loucura me deixa
meio mal, sério
mesmo-Tipo
Maiakovski ajoelhado
declarando
amor
à sua última
amante
logo depois
de a conhecer
Lembra de mim
em Paris,
ajoelhado
no elevador?
Somos todos iguais
homens tão passionais
e um tanto talentosos-
alguns um pouco mais
que outros
Nos fazemos de otários
pensando
que somos fortes
e reclamamos
o resto da vida inteira
capados pelas
consequências.



Your sickness made me
a little sick, it's
true—I still
feel it
Mayakovsky got down
on his knees
and declared
his love
to his last
mistress
a few hours after
he'd met her
Remember me
at the hotel
in Paris,
on my knees
in the lift?
We're all the same
men of too much passion
and a little talent—
some a little more
than others
We fool ourselves
into thinking
we're strong
then complain
the rest of our lives
crippled by
the consequences.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

menos que um: elizabeth bishop, poema-aula e paulo henriques britto

Acordei com um poema e uma tradução em minha caixa de mensagens. São os que seguem. Elizabeth Bishop (que viveu muito tempo no Brasil e chegou no país pelo porto de Santos, minha cidade) fala sobre a perda, o perder e a relação com isso. Um tema que me interessa muito, diga-se.

A tradução era de Paulo Henriques Britto, grande tradutor de quem eu recomendo A tradução literária. Coloco aqui, como de costume, o original e a tradução, ambos depois da tradução que arrisquei.

Porque arrisquei, mesmo, considerando o tanto de ritmo específico e rimas constantes que esse poema tem. As soluções de minha tradução, se comparadas com a profissional de Paulo, são quase completamente diferentes. Desde as terminações até a estrutura rítmica dos versos. Mas cá está, espero que aceitável.


Uma arte

A arte da perda é fácil estudo;
tanta coisa é perdida e se basta
que nada nunca é o fim do mundo.

Perca um tanto, todo dia. Aceite o luto
pelas chaves de casa, a hora mal gasta.
A arte da perda é fácil estudo.

Então perca mais, e mais rápido:
lugares, nomes, o voo e a escala
pra onde, mesmo? Nada é o fim do mundo.

Perdi o relógio da mãe. E tudo
das últimas três casas que gostava.
A arte da perda é fácil estudo.

Perdi belas cidades, rios graúdos,
uns reinos, continente, terra vasta.
Perdi, mas não foi nada o fim do mundo.

- Mesmo te perder (a voz, o riso surdo
que eu amo) seria nada. Vai, anota:
a arte de perder é fácil estudo
mesmo que pareça o fim do mundo.



The art of losing isn’t hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn’t hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother’s watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn’t hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.

-Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.


Uma Arte

A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia.Aceite,austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte da perda não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

(tradução de Paulo Henriques Britto)


terça-feira, 7 de maio de 2013

menos que um: dorothy parker, anti-suicídio e minha guia

Uma amiga zelosa que muito gosta de mim, experientíssima em tradução - currículo invejável, digo logo -, me apresentou Dorothy Parker e um seu poema, Resumé. Disse ela - a amiga, não a autora - que já tentara traduzir esses versos mas não tinha ficado satisfeita. Eu, como bom atravessador que sou, resolvi tentar. Espero que satisfaça pelo menos um pouco.

Logo de partida sua poesia me pareceu uma anti-poesia da experiência. É como se ela pegasse, pelo menos nesse resumé, Sylvia Plath, Anne Sexton, John Berryman (de quem traduzi uns poemas, alguns Dream Songs, que esperam por publicação através da nossa querida amiga, professora, poetisa e ser paranormal, Lucila Nogueira), todo o martírio e o solilóquio vivencial do suicídio e risse da cara dele. Anne Sexton tem um tanto disso, também, mas ainda assim...

Daí que Dorothy me pareceu muito agradável, especialmente pelo ritmo de seu resumo: é o mesmo ritmo que ouvimos cantarolado por crianças no caminho da escola, quando o menino mais velho e/ou mais esperto importuna o menor até esgotar o fôlego. Uma cantiga de escárnio infantil, que tentei reproduzir, com seu tom leve e ritmado, com seu desfecho irônico-superior.


Resumé

Lâminas te doem;
Rios são um tanto úmidos;
Ácidos corroem;
Drogas travam músculos.
Armas, ilegais;
Forca perde o laço;
Gás cheira demais;
Viva, que é mais fácil.





Razors pain you;
Rivers are damp;
Acids stain you;
And drugs cause cramp.
Guns aren’t lawful;
Nooses give;
Gas smells awful;
You might as well live.

menos que um: wordsworth, palavra digna

Lendo e.e. cummings (suas inconferências traduzidas aqui em Portugal) encontrei um poema de William Wordsworth, que cummings cita no fim do primeiro capítulo. Intimações da Imortalidade A Partir De Lembranças Da Infância (Ode on Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood), o nome do longo poema do qual traduzi apenas alguns versos - os que me interessaram de verdade, devo dizer. Tentei reproduzir um tanto da sonoridade e dos padrões de rima do original, com evidente fracasso - fracasso do qual a tradutora portuguesa se esquivou simplesmente não rimando nada. Seguem as versões.

Pois cantem, aves, cantem, cantem um alegre som!
Deixem que os cordeiros dancem
Dos tamborins o tom!
Nós, em pensamento, estaremos com vocês,
Que cantam e que dançam,
Que os corações alcançam
De Maio o tempo bom.
(minha tradução)


Then, sing, ye birds, sing, sing a joyous song!
And let the young lambs bound
As to the tabor's sound!
We, in thought, will join your throng,
Ye that pipe and ye that play,
Ye that through your hearts to-day
Feel the gladness of the May!
(original de Wordsworth)


Então cantai, aves, cantai, cantai uma canção alegre!
E deixai que os jovens cordeiros saltitem
Ao som do tamborim!
Nós em pensamento juntar-nos-emos à vossa multidão.
A vós que cantais e tocais,
Que através dos vossos corações hoje
Sentis a alegria de Maio!
(tradução de Cecília Rego Pinheiro)



segunda-feira, 6 de maio de 2013

menos que um: gary snyder, japão e primavera

Tenho sono, é primavera, estamos em maio, não durmo, quis traduzir. Não vou falar sobre Gary Snyder: deem uma olhada no link e descubram por vossa conta. A única coisa que adianto é seu papel definitivo para muito do que sou hoje - ou seja, nada, mas não por culpa dele. Budismo, Zen, poesia, geração beat e tradução. Japhy Ryder - sua versão romanceada de Os Vagabundos Iluminados, de Jack Kerouac - é personagem sempre presente em meu imaginário. "É impossível cair de uma montanha".


Uma noite primavera em Shokoku-ji

Oito anos atrás este mês
Passeamos sob a flor de cerejeiras
Na noite de um pomar em Oregon.
Tudo que eu queria então
Já esqueci, menos de ti.
Aqui nesta noite
Num jardim da capital antiga
Sinto o fantasma trêmulo de Yugao
E lembro teu corpo fresco
Nu dentro das vestes de algodão.



Eight years ago this May 
We walked under cherry blossoms 
At night in an orchard in Oregon. 
All that I wanted then 
Is forgotten now, but you. 
Here in the night 
In a garden of the old capital 
I feel the trembling ghost of Yugao 
I remember your cool body 
Naked under a summer cotton dress. 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

menos que um: william carlos williams outra vez

E o mesmo poema. Recebi algumas críticas e sugestões de quem respeito muito em tradução e pronto, cá está uma outra tentativa, com alguns versos alterados, alguns ritmos e ordens, algumas coisas. A caixinha de críticas e sugestões ainda está - sempre estará - aberta.


Lamento

Chamam-me e eu vou.
Passou da meia-noite,
a estrada congelada, pneu
crava no asfalto
a neve em duro rastro.
A porta abre.
Sorrio, entro e
descalço o frio.
Vejo a mulher inchada
deitada em seu lado da cama.
Ela está doente,
talvez vomitando
ou então no sufoco
para dar à luz
o filho dez. Viva! Viva!
A noite apaga as luzes
do quarto em que se trepa,
pela persiana emana o sol
um douradíssimo filete!
Tiro o cabelo de seus olhos
e assisto, em compaixão,
sua desgraça.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

menos que um: william carlos williams, raul fiker e lamentação

Eu sempre gostei dos beats (Jack Kerouac, Ginsberg, Gary Snyder e por aí afora). Na faculdade, uma vez, Raul Fiker deu uma aula sobre filosofia e eles, os poetas malucos marginais e outsiders. No meio da aula entrou uma cachorra viralata, porta adentro, e ilustrou o que dizia o professor. Fiker falou "Vejam só, uma outsider". Ela era.

Na mesma aula ouvi falar sobre William Carlos Williams, uma espécie de pai antecessor dos poetas beat. A história era assim:

- Quando William Carlos Williams estava pra morrer, na cama do hospital, os beats todos se reuniram em volta, esperando o velho falar. Estavam todos lá, o doente ia morrer e eles estavam ansiosos para saber as últimas palavras, a poesia derradeira, qualquer coisa assim. O velho estendeu a mão, apontou o indicador pra janela e sentenciou: "Lá fora só tem filho da puta".

Se é verdade ou não, não sei. Vou defender essa história até a morte (em parte porque é muito boa, iconoclasta, em parte porque se ajunta às lendas de Raul Fiker - sério, são muitas e todas muito boas).

Cá está, portanto, uma traduçãozinha do visionário que sabia só existir, cá fora da janela, filhos da puta.

Lamento

Chamam-me e eu vou.
Passou da meia-noite,
a estrada congelada, pneu
crava no asfalto
a neve em duro rastro.
A porta abre.
Sorrio, entro e
descalço o frio.
Vejo a mulher inchada
deitada em seu lado da cama.
Ela está doente,
talvez vomitando
ou então no sufoco
para dar à luz
o filho dez. Viva! Viva!
A noite apaga as luzes
do quarto em que se trepa,
pela persiana emana o sol
um douradíssimo filete!
Tiro o cabelo de seus olhos
e assisto, em compaixão,
sua desgraça.





They call me and I go. 
It is a frozen road 
past midnight, a dust 
of snow caught 
in the rigid wheeltracks. 
The door opens. 
I smile, enter and 
shake off the cold. 
Here is a great woman 
on her side in the bed. 
She is sick, 
perhaps vomiting, 
perhaps laboring 
to give birth to 
a tenth child. Joy! Joy! 
Night is a room 
darkened for lovers, 
through the jalousies the sun 
has sent one golden needle! 
I pick the hair from her eyes 
and watch her misery 
with compassion. 

[e aqui, uma primeira versão da tradução tentada

Lamento


Chamam-me e eu vou.
Passou da meia-noite,
a estrada congelada, pneu
crava no asfalto
a neve em duro rastro.
A porta abre.
Sorrio, entro e
sacudo fora o frio.
Eis uma grande dona
em seu lado da cama.
Ela está doente,
talvez vomitando
ou então no sufoco
para dar à luz
o filho dez. Viva! Viva!
A noite é escuro
quarto para amantes,
pela persiana emana o sol
um douradíssimo filete!
Tiro o cabelo de seus olhos
e assisto sua desgraça
em compaixão.]

quarta-feira, 1 de maio de 2013

menos que um: a porta, robert creeley em uma estrofe

Dei de cara com uma estrofe de Robert Creeley, hoje, na página inicial do Poets.org. Gostei e traduzi. É do poema The Door, que por acaso não encontrei nesse site, mas em outro (o Poetry Foundation, aqui: The Door)

Robert Creeley, na mesma levada de William Carlos Williams, Ezra Pound e outro poetas revolucionários do período, parece ter influenciado a mentalidade do meio do século passado, na poesia americana. Ainda não sei, mas essa estrofe inicial tem uma imagem bastante forte e uma sonoridade dispersa que tentei reproduzir. Menos que um bom trabalho.

foto por Michael Romanos
Senhora, não me expulse
por divagar. Minha índole
é um pantanal de confissões
a terminar. Senhora, eu sigo.


Lady, do not banish me  
for digressions. My nature  
is a quagmire of unresolved  
confessions. Lady, I follow.