sexta-feira, 28 de junho de 2013

com a palavra: Idelber Avelar

Uma tradução, como qualquer discurso, nunca é completamente ingênua. Pode ser inconscientemente ardilosa, pode não ser conscientemente perversa, mas nunca é ingênua e pura. Neste caso aqui, político, ela não só é ardilosa como, consciente, é ideológica.

"Todos os principais jornais e portais de notícias brasileiros publicam hoje matérias sobre Edward Snowden, nas quais insistem numa tradução que, no meu modo de ver, é monstruosa. Um "whistleblower" não é, não é, não é um "delator". Ser um "whistleblower" é uma honra, um ato de coragem, um exercício de cidadania.

Um "whistleblower" arranca segredos do poder, falcatruas dos poderosos, e os oferece gratuitamente ao interesse público. Um delator é exatamente o contrário disso: entrega um indivíduo às garras desse mesmo poder. Bradley Manning e Edward Snowden não são "delatores". Eles não são Cabo Anselmo, não são Joaquim Silvério dos Reis.

Traduzam como queiram, "denunciante", "revelador de segredos do Estado", a elegância da tradução pouco me importa. Mas incomoda-me muito que a palavra "delator" -- que nomeia o ponto mais baixo a que pode chegar a dignidade humana -- continue sendo associada a figuras tão corajosas e dignas como Bradley Manning e Edward Snowden."


Sobre Edward Snowden, vazador de informações da CIA: http://en.wikipedia.org/wiki/Edward_Snowden
Sobre Bradley Manning, da WikiLeaks: http://en.wikipedia.org/wiki/Edward_Snowden

segunda-feira, 17 de junho de 2013

menos que um: chacal e américa amem em inglês

Uma amiga brasileira que estuda em Chicago, terra de bom blues, trabalha com relações literárias entre Walt Whitman, antropofagia oswaldiana, poesia e música. Daí me pediu pra traduzir ao inglês – certo seria dizer verter – um poema de Chacal, e eu verti.

Chacal é poeta dos setenta, pós-explosão do amor dos sessenta e pouco. Carioca, foi publicado em coisas de Torquato e Waly Sailormoon, e é dos nomes mais conhecidos da marginalidade literária que começou por ali, com ele, na geração mimeógrafo.



Então traduzi América Amem – melhor dizendo, verti – e cá está. Dei-me o direito de substituir referências mitológicas (fauno por sátiro, por exemplo) e especificar acepções mais polívocas (pau duro, embora Patrícia – a amiga – tenha me lembrado que pau, além de ser o pau do pau duro, é pau de madeira também, coisa que eu muito libidinosamente sequer havia considerado quando traduzi woody).

Outra coisa polivocidade que bem deixei passar, eu sei, foi a ambiguidade de amém, a exclamação religiosa, e amem, o verbo bem conjugado no imperativo (categórico, diria Kant se ele fosse woody). Mas optei por uma exclamação abrangente, um quase vocativo que encerra o chamado também incluído em amém. Vejam vocês.

AMERICA HEY MEN

america hey men
taught me so be it
anthropophagic pagan
a levis-suited satyr
america hey men
words
wore
wordy
america hey men
pau duro duro
voo doo
bean & burp
america amen
our despair
our passion
immense

AMÉRICA AMEM

américa amem
me ensinou a ser assim
antropofágico pagão
um fauno de calça lee
américa amem
palavras
palas
palavreados
américa amem
woody woody
voo doo
feijão & arroto
américa amem
nosso desespero
nossa paixão
imensa

Além disso, já que o trabalho é sobre a relação com a poética de Whitman, e já que Chacal é fauno de calça lee, seguem dois vídeos publicitários da Levi's – que não é Lee, mas é jeans – capitalizando no bom barbudo, o espírito da revolução americana. Diz-se que o vídeo de America tem o áudio do próprio Whitman declamando seu poema. Quem saberá?