Em sânscrito, o nome
da segunda paramita é
sīla, significando algo como
disciplina moral, moralidade, preceitos, virtude e/ou
conduta correta (http://goo.gl/Em1yI).
Por questões
históricas e filosóficas, entretanto, os tradutores ocidentais têm
preferido traduzir sīla por
ética ou disciplina
ética. Queremos problematizar:
A
noção original aponta diretamente para uma normatividade, ainda que
não análoga aos mandamentos mosaicos, por exemplo. Essa
normatividade, orientação de conduta, é o que torna a moralidade
budista uma questão de observação sobre as ações praticadas.
Por
mais que a noção moderna e – sobretudo – contemporânea de
nossa ética possa ser
mais apropriada ao pensamento racional, democrático, livre e laico,
a utilização de ética para
sīla trai, de
partida, um pouco de sua conotação normativa.
Em
chinês, essa segunda paramita é
shiluo (尸羅,
claramente a transliteração fonética para sīla),
também traduzida por jiè
(戒).
Quando um budista assume os votos básicos (não matar, não roubar,
não mentir, não ter má conduta sexual e não utilizar
entorpecentes), é dito que assumiu os cinco preceitos
(wǔ
jiè, 五戒).
Preceitos, portanto, que são também abstinências, porque essa é
uma das acepções de jiè (戒):
abster (as outras sendo proteger-se
contra; desistir; advertência; disciplina religiosa e
aliança –
aqui: http://goo.gl/3wii5).
Vejamos
outra possibilidade atualmente utilizada: sīla
como
disciplina ética.
Percebam que disciplina está
em itálico, mas não ética.
Isso porque disciplina tem
as acepções de 1) conjunto de regras ou ordens que regem o
comportamento de uma pessoa ou coletividade; 2) observância das
regras; obediência; 3) capacidade de controlar um determinado
comportamento de forma a respeitar regras ou conseguir resultados,
entre outras (aqui:
http://www.infopedia.pt/pesquisa-global/disciplina)
Essa diferenciação entre moralidade e disciplina
ética, portanto, talvez seja mais uma expressão discursiva que se
adeque à mentalidade moderna e ocidental – que pretende liberdade,
igualdade, fraternidade e várias outras noções filosóficas
abstratas – do que uma verdadeira subversão de princípios. É
curioso notar que, traduzindo moralidade por ética
(ainda que se coloque a disciplina à frente), o conteúdo
normativo, coletivo e eminentemente social que pauta as tradições
do oriente se perde, de certa forma.
Precisamos
de atenção para que esse tipo de tradução generalista e abstrata
de um pensamento que, desde a base, é social e orgânico (não que
seja bom, mas
é orgânico, total) não influencie demais sobre nossa compreensão
da fonte. Moralidade,
por mais ocidental, moderno e laico que eu seja, me soa mais
apropriado que ética.
Pelo menos neste caso.
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