sábado, 22 de outubro de 2016

menos que um/com a palavra: gary snyder sobre a prática

"Entrevistador: Vamos falar sobre budismo mais um pouco. Para muitos poetas, poesia é a religião do século vinte. E estou curioso, nesse sentido, para saber o que você aprendeu do budismo que não aprendeu da poesia.

Gary Snyder: Tive uma conversa engraçada com Clayton Eshleman, o editor e poeta, há muitos anos, quando ele ainda estava em Quioto. Clayton falava sobre poesia, exaustiva e apaixonadamente. E eu disse a ele: “Mas Clayton, eu já tenho uma religião. Sou budista.” [...] Não acho que arte seja uma religião. Não acho que ela lhe ajude a ensinar seus filhos como agradecer pela comida, como discernir o verdadeiro do falso, ou como não prejudicar os outros. Arte certamente pode ajudá-lo a explorar sua própria consciência, sua própria mente e suas próprias motivações, mas não oferece um programa para sua realização. Penso que arte é bem próxima do budismo e pode ser parte de sua prática, mas há terrenos que a psicologia e a filosofia budistas devem explorar, e que a arte seria bem tola se tentasse.

Entrevistador: Então você faz essa distinção basicamente sobre questões éticas?

Snyder: Bom, tem ética, tem filosofia, tem o espírito de devoção, e tem também a simples capacidade de que isso se torne uma base cultural, um território no qual você seja capaz de transmitir seu modo de ser-e-estar, e a religião desempenha um forte papel nesse sentido. E também há o outro fim da prática religiosa e budista, aquele que ultrapassa a arte. Por ele, você se torna capaz de entrar no terreno da completude e beleza de todos os fenômenos. Você realmente entra no mundo, não precisa de arte porque tudo é extraordinário, fresco e fantástico.”

Trecho da entrevista concedida em 1992, presente no livro Beat writers at work, editado por George Plimpton. Na apresentação da entrevista, a nota: "O que a transcrição não mostra é a quantidade de vezes que a conversa foi marcada por gargalhadas."

Tradução minha.

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