quinta-feira, 2 de maio de 2013

menos que um: william carlos williams, raul fiker e lamentação

Eu sempre gostei dos beats (Jack Kerouac, Ginsberg, Gary Snyder e por aí afora). Na faculdade, uma vez, Raul Fiker deu uma aula sobre filosofia e eles, os poetas malucos marginais e outsiders. No meio da aula entrou uma cachorra viralata, porta adentro, e ilustrou o que dizia o professor. Fiker falou "Vejam só, uma outsider". Ela era.

Na mesma aula ouvi falar sobre William Carlos Williams, uma espécie de pai antecessor dos poetas beat. A história era assim:

- Quando William Carlos Williams estava pra morrer, na cama do hospital, os beats todos se reuniram em volta, esperando o velho falar. Estavam todos lá, o doente ia morrer e eles estavam ansiosos para saber as últimas palavras, a poesia derradeira, qualquer coisa assim. O velho estendeu a mão, apontou o indicador pra janela e sentenciou: "Lá fora só tem filho da puta".

Se é verdade ou não, não sei. Vou defender essa história até a morte (em parte porque é muito boa, iconoclasta, em parte porque se ajunta às lendas de Raul Fiker - sério, são muitas e todas muito boas).

Cá está, portanto, uma traduçãozinha do visionário que sabia só existir, cá fora da janela, filhos da puta.

Lamento

Chamam-me e eu vou.
Passou da meia-noite,
a estrada congelada, pneu
crava no asfalto
a neve em duro rastro.
A porta abre.
Sorrio, entro e
descalço o frio.
Vejo a mulher inchada
deitada em seu lado da cama.
Ela está doente,
talvez vomitando
ou então no sufoco
para dar à luz
o filho dez. Viva! Viva!
A noite apaga as luzes
do quarto em que se trepa,
pela persiana emana o sol
um douradíssimo filete!
Tiro o cabelo de seus olhos
e assisto, em compaixão,
sua desgraça.





They call me and I go. 
It is a frozen road 
past midnight, a dust 
of snow caught 
in the rigid wheeltracks. 
The door opens. 
I smile, enter and 
shake off the cold. 
Here is a great woman 
on her side in the bed. 
She is sick, 
perhaps vomiting, 
perhaps laboring 
to give birth to 
a tenth child. Joy! Joy! 
Night is a room 
darkened for lovers, 
through the jalousies the sun 
has sent one golden needle! 
I pick the hair from her eyes 
and watch her misery 
with compassion. 

[e aqui, uma primeira versão da tradução tentada

Lamento


Chamam-me e eu vou.
Passou da meia-noite,
a estrada congelada, pneu
crava no asfalto
a neve em duro rastro.
A porta abre.
Sorrio, entro e
sacudo fora o frio.
Eis uma grande dona
em seu lado da cama.
Ela está doente,
talvez vomitando
ou então no sufoco
para dar à luz
o filho dez. Viva! Viva!
A noite é escuro
quarto para amantes,
pela persiana emana o sol
um douradíssimo filete!
Tiro o cabelo de seus olhos
e assisto sua desgraça
em compaixão.]

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